O GESTA é um núcleo vinculado ao Departamento de Antropologia e Arqueologia (DAA) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde 2001, o GESTA é cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desenvolve atividades de ensino, pesquisa e extensão relacionadas à compreensão dos conflitos ambientais. O Grupo, de caráter interdisciplinar, é composto por pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação das áreas de Antropologia, Sociologia, Geografia, Direito e Ciências Socioambientais. A atuação do núcleo tem privilegiado a interface entre pesquisa e extensão, buscando refletir sobre os efeitos sociais de grandes projetos e seus processos hegemônicos de apropriação do território, ao mesmo tempo em que procura fomentar a capacitação político-participativa de populações atingidas.
Nesse diapasão, desde 2012, o GESTA conduz pesquisas dedicadas ao tema da mineração no estado de Minas Gerais, com destaque para os projetos “Alcances e Limites da Resolução Negociada de Conflitos Ambientais: o caso do projeto de mineração Minas-Rio” (apoio CNPq 408591/2013-7) e “Nova Fronteira Minerária, Land-grabbing e Regimes Fundiários: consequências socioambientais e limites da gestão de conflitos” (apoio CNPq 445550/2014-7), ambos com apoio das agências nacionais de fomento à pesquisa acadêmica e, desde 2015, o projeto “Poder, território e conflito: processos de territorialização e mineração em Conceição do Mato Dentro (MG)”, com apoio da FAPEMIG (APQ-03592-14) . No âmbito da extensão universitária, o grupo desenvolve o programa “Observatório dos Conflitos Ambientais: tecnologias sociais e justiça ambiental” (Registro SIEX/UFMG 500301), através do qual presta assessoria aos grupos atingidos pelo empreendimento Minas Rio em Minas Gerais. Tais atividades de assessoria são efetuadas a partir da demanda apresentada por parte das populações locais. Nossa atuação se restringe, assim, ao acompanhamento e análise do processo de licenciamento, fornecendo aos atingidos subsídios técnicos e políticos que se orientam para: formação e fortalecimento das redes de articulação e mobilização, apoio à troca de experiências e de perspectivas dos atores que experimentam danos e/ou violações aos direitos de acesso e apropriação do meio ambiente, visando uma participação social qualificada, efetiva e igualmente justa no que tange às políticas ambientais.
Dito isso, não desempenhamos qualquer protagonismo no caso, não temos o intuito e tampouco legitimidade para representações e/ou deliberações. Nossa atuação está restrita aos espaços e momentos em que nossa presença enquanto pesquisadores-parceiros é demandada pelos grupos que assessoramos. Com efeito, não nos cabe participar do encontro/reunião nos termos propostos pelo referido ‘convite’.
Ademais, causa particular estranhamento que a disposição e a abertura para o diálogo sejam acompanhadas e marcadas por iniciativas que buscam a exposição pública de moradores, atingidos pelo empreendimento, que, sistematicamente, buscam denunciar o esvaziamento das condições e possibilidades de participação e a continuidade e agravamento das violações de seus direitos. Materiais como notas anônimas, matéria jornalística, vídeos, são circulados na região de modo a expor e responsabilizar esses atores por supostos atrasos e entraves ao desenvolvimento do projeto. Tais iniciativas contribuem tão somente para a intensificação das cisões e tensões no local, colocando sob ameaça a segurança de cidadãos que, pelos canais institucionalizados, pelas vias formais, públicas e legítimas, buscam a defesa de seus direitos. Em oposição à atmosfera de entendimento e diálogo, tais iniciativas, oficiosas, resultam na escalada de conflitos e da violência na região, com episódios de intimidação, ameaças e constrangimentos que substituem o terreno da discussão política pelo campo das operações policiais. O cenário é de medo e insegurança. Acentuamos a responsabilidade do empreendedor pelo zelo à segurança no local e pela manutenção das condições que garantam a liberdade de manifestação política dos cidadãos, independentemente da natureza de seu posicionamento.
Adicionalmente, cabe ressaltar que as reflexões produzidas pelo GESTA acerca dos limites das tecnologias de resolução negociada dos conflitos estão disponíveis em publicações acadêmicas de ampla circulação e cuja consulta recomendamos como forma de prevenir novas interpretações e encaminhamentos equivocados. Ressaltamos abaixo, apenas alguns aspectos dessa extensa reflexão:
A “estratégia da resolução negociada de conflitos” é frequentemente consagrada como caminho glorioso para mediação de “interesses divergentes” numa perspectiva semelhante àquela própria ao mundo dos negócios celebrados no âmbito do livre mercado entre partes interessadas, situadas em posições equivalentes. Os projetos da Anglo American no município de Conceição de Mato Dentro, porém, revelam conflitos entre partes desiguais de duas maneiras:
Em relação aos capitais social, político e econômico: por um lado, temos a Anglo American, uma corporação multinacional, com uma equipe de profissionais integralmente dedicados para tratar assuntos jurídicos e técnicos, muito bem articulada com os poderes locais, nacionais e internacionais. De outro lado, estão os moradores da região afetados nas mais variadas formas pelas atividades da mineração, que, muitas vezes, não possuem a formação, conhecimento, tempo e recursos disponíveis que os coloquem em condições de simetria e igualdade para a disputa. Via de regra, eles também não têm as condições econômicas para contratar especialistas que poderiam trazer os esclarecimentos necessários para empoderá-los para uma participação efetiva no processo do licenciamento.
2) A Anglo American, sim, é parte interessada, assim como seus funcionários e determinados setores econômicos locais que se beneficiam dos empreendimentos por ela executados. Os moradores locais atingidos, entretanto, são detentores de direitos que, teoricamente, são garantidos pela Constituição Brasileira de 1988, que reforçou a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948. Estes direitos, ao contrário dos interesses empresariais, não são negociáveis (i. e. Direito à água, à moradia, ao ambiente ecologicamente saudável, dentre outros, incluindo o direito de decidir sobre a própria vida).
Diante desse contexto, tomamos a citação inicial do Secretário-Geral do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas (CIPSH), Luiz Oosterbeek, como motivo de nos referir a um outro pronunciamento, o de Eduardo Cruz, reitor da Universidade de Portugal, realizado durante o mesmo evento:
“O Direito está moribundo e suas fontes estão secas, reduzidas a leis, doutrina e jurisprudência. O Direito é diferente de lei e a justiça se aplica não só com o cumprimento da lei, mas com sensibilidade. A lei tem que respeitar o direito” (Pronunciamento durante o "I Seminário Internacional sobre Direito Ambiental e Minerário” em Mariana, 2016, para discussão sobre o desastre tecnológico causado pela SAMARCO (Vale/BHP-Billiton, grifos nossos).
O que observamos nas últimas audiências e reuniões públicas em relação aos projetos da Anglo American é um sistemático deslocamento do tratamento da questão dos legítimos direitos dos atingidos para uma discussão genérica organizada em posições polares “a favor” e “contra” o empreendimento”. Esse esvaziamento do sentido político do debate tem sido estimulado pela própria empresa. Neste contexto, não houve espaço de debate sobre os problemas técnicos e jurídicos dos Estudos de Impacto Ambiental e não foram apresentadas propostas adequadas em relação à restauração dos modos de vida dos atingidos. O resultado foi a aprovação das licenças com centenas de condicionantes. Dessa forma, as audiências se transformaram em um palco - aliás, ostensivamente ocupado por forte aparato policial, estrategicamente colocado do “lado” daqueles que defendem seus direitos e/ou ousam questionar a Anglo -, o que pouco contribui para o esclarecimento dos segmentos mais afetados e prejudicados pelo projeto, ou ainda para o melhoramento dos estudos e programas desenvolvidos, objetivos para os quais as audiências públicas foram originalmente criadas.
Em relação à alegação no convite da V. Sa. sobre “o interesse genuíno das partes envolvidas em construir soluções que permitam o convívio harmônico”, cabe ressaltar a falta de uma postura proativa da empresa em relação ao tratamento dos direitos dos atingidos, o que coloca em cheque a natureza genuína desse esforço. Como é de seu conhecimento, aconteceram vários incidentes com os moradores afetados pela mineração da Anglo, tais como a interrupção do sistema de abastecimento de água, a expulsão de idosos e moradores isolados que não aceitaram as condições impostas para a nova moradia. Além disso, percebeu-se em torno da audiência agendada para 11/04/2017 um clima de terror nas referidas comunidades com a circulação de difamações e denúncias caluniosas em redes sociais e por meio de panfletos apócrifos, e até ameaças de morte a alguns dos autores da Ação Popular e seus apoiadores. Não observamos nenhuma atitude da empresa no sentido de evitar ou coibir o agravamento dessa situação. Neste clima de violência latente, entendemos que não existem atualmente condições para a realização de uma audiência pública que serviria aos seus objetivos originais precípuos relativos à discussão qualificada acerca dos direitos dos atingidos e das falhas e lacunas dos estudos ambientais apresentados. Ao contrário, nestas circunstâncias compartilhamos os temores dos atingidos sobre o agravamento das tensões e da violência no local.
Finalmente, seu convite destaca “o debate em benefício do interesse coletivo” em torno de valores abstratos como "o legado positivo da região", mas curiosamente não menciona os direitos daqueles que mais sofrem com os efeitos reais do empreendimento. Tudo indica que o “debate” continua a objetivar o deslocamento da questão dos direitos para uma oposição pouco construtiva reduzida às posições “a favor” ou “contra” a obra. Desse modo, seria desejável que, para alcançar credibilidade junto aos moradores, em direção ao “propósito de fazer uma mineração responsável”, a Anglo American agisse decisivamente de forma a evitar o clima de terror em torno dos seus empreendimentos, separando de forma clara – e sensível – o tratamento dos direitos individuais, coletivos e difusos dos cidadãos atingidos (conforme o princípio da preservação da dignidade da pessoa humana garantido pelo Estado Democrático do Direito) da discussão acerca dos potenciais e limites do empreendimento em relação ao desenvolvimento da região.
Atenciosamente,
Coordenação GESTA-UFMG
Profa. Dra. Ana Flávia Santos - Professora Adjunta (DAA-UFMG)
Profa. Dra. Raquel Oliveira Santos Teixeira - Professora Adjunta (DSO-UFMG)
CARTA RESPOSTA POLOS DA CIDADANIA:
Ofício:
04/2017
Para:
Srª. Mariana Rosa e Sr. Tiago Alves
Respectivos
Gerente de Comunicação e Coordenador Corporativo de Desenvolvimento
Sustentável da Empresa Anglo American Brasil
Belo
Horizonte, 27 de abril de 2017.
Senhora
Mariana Rosa e Senhor Tiago Alves,
Vimos
por meio deste, responder o documento encaminhado pela Anglo American
Brasil e entregue ao Programa Polos de Cidadania da Faculdade de
Direito da UFMG, no dia 25 de abril de 2017, na nossa sede em Belo
Horizonte, referente ao convite para uma reunião com o propósito,
segundo informado pela empresa, de "discutir
aspectos da Etapa 3 do Minas-Rio que requeiram melhores
esclarecimentos entre todas as partes interessadas".
Conforme
informações disponíveis no site Controle Transparente
(www.controletransparente.com.br), dedicado à transparência de
aplicações dos recursos provenientes do acordo judicial firmado
entre o Ministério Público do Estado de Minas Gerais e a empresa
Anglo Ferrus Minas-Rio Mineração S/A, nos autos do processo de Ação
Civil Pública n. 0175.09.013968-4 da Comarca de Conceição do Mato
Dentro, a partir de convite feito pela Coordenadoria de Inclusão e
Mobilização Social (Cimos) do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais e pela Promotoria de Justiça de Conceição do Mato
Dentro e reuniões realizadas com cidadãos, entidades e instituições
do município, o Programa Polos de Cidadania da Faculdade de Direito
da UFMG apresentou a sua proposta de atuação, tendo por objetivo o
desenvolvimento
de processos de organização e mobilização social, à realização
de práticas de educação e ações comunitárias de proteção e
efetivação de direitos fundamentais junto aos moradores da região.
Assim
sendo, temos pautado a nossa atuação, desde o início dos trabalhos
no município, pelo reconhecido histórico do Programa, criado em
1995, junto a pessoas e comunidades em condições diversas de
vulnerabilidades sociais, (1)nos princípios de respeito à
centralidade, protagonismo, autonomia e emancipação das
coletividades com as quais dialogamos e (2)na observância aos
Direitos Humanos, pactuados em Tratados e Convenções Internacionais
de que o Brasil é signatário, assim como, no caso de Conceição do
Mato Dentro e outras regiões afetadas pelas atividades de mineração,
pelas recomendações expressas e defendidas nas Resoluções nºs
26/06, 31/06, 01/07, 02/07, 05/07 - Brasília/DF.
Após
a publicação de uma Nota de Esclarecimento, por parte da empresa,
quanto ao cancelamento da audiência pública prevista para o dia 11
de abril de 2017, na qual a Anglo American afirma que tal
cancelamento coloca em risco a continuidade operacional do Minas-Rio,
o Programa Polos de Cidadania da UFMG passou a receber,
cotidianamente, inúmeros relatos e depoimentos de graves violações
de direitos ocorridas no município, bem como constatado o
acirramento dos ânimos e dos conflitos entre pessoas e comunidades
locais.
Considerando
a citação de Luiz Oosterbeek e a pergunta destacada pelo autor,
presente no documento encaminhado pela Anglo American ao Programa
Polos de Cidadania da UFMG, "as
pessoas não são todas iguais, não têm os mesmos interesses, as
mesmas ansiedades. Portanto, nunca vão estar de acordo unanimamente
sobre o caminho a prosseguir frente a uma dificuldade (...) Como é
que elas podem continuar divergindo e não romper?",
compreendemos
e informamos a empresa que rompimentos e fraturas sociais já foram
causados, fato que, a nosso ver, justifica uma desaceleração e
revisão na condução do processo de licenciamento da etapa 3 do
Minas-Rio.
Enquanto
um Programa de Extensão Universitária e Pesquisa Social Aplicada da
UFMG, com extensa trajetória na busca de efetivação dos direitos
humanos e no constante trabalho de colaboração e assessoria técnica
junto a várias coletividades, dentre elas, algumas de Conceição do
Mato Dentro, compreendemos que o
momento requer um extremo cuidado de todas as partes envolvidas com a
delicada situação vivenciada na região e a abertura de canais
efetivos de diálogo, visando a imediata interrupção das violações
de direitos registradas.
Por
fim, compartilhando do argumento defendido pelo renomado autor
italiano Norberto Bobbio, em suas reflexões acerca dos problemas
fundamentais relacionados aos direitos humanos:
... não se trata de saber
de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza
e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos
ou relativos, mas
sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que,
apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
(grifo nosso)
Dessa
maneira, concluindo este ofício e deixando claros os nossos
objetivos e posições, manifestamos que, caso sejamos convidados
pelas comunidades a participar de uma reunião ampla com a empresa
e/ou diversos outros atores sociais, estaremos presentes, visando a
proteção e a defesa dos direitos fundamentais das pessoas e
coletividades historicamente vulnerabilizadas na região.
Atenciosamente,
Prof.
Dr. André Luiz Freitas Dias
Coordenação
Geral e Acadêmica
Programa
Polos de Cidadania
Faculdade
de Direito da UFMG